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John P. McCormick, autor de obras influentes como Democracia Maquiavélica, argumenta que Nicolau Maquiavel deve ser entendido como um precursor do populismo de esquerda. (Nickniko / Wikimedia Commons)

Maquiavel foi o filósofo do populismo de esquerda

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Tradução
Natanael Alencar

Por séculos, os detratores de Nicolau Maquiavel o apresentaram como o fundador do cinismo político. Mas o pensador italiano foi um idealista republicano cujo apoio ao governo popular pode inspirar lutas contra as oligarquias de hoje.

UMA ENTREVISTA DE

Gabriele Pedullà

Quase cinco séculos após sua morte, o filósofo italiano Nicolau Maquiavel permanece uma das figuras mais influentes na história do pensamento político. O autor de O Príncipe provavelmente se surpreenderia ao descobrir que é o tema de livros sobre habilidades de liderança direcionados para CEOs ou que foi erroneamente citado como “Príncipe Matchabelli” por Paulie Walnuts na série Os Sopranos

Uma visão equivocada de Maquiavel como pai fundador do cinismo político — ou mesmo da maldade política — é quase tão antiga quanto ele. Porém, o autor de Democracia Maquiavélica, John  P. McCormick, demonstra que o pensador florentino é melhor compreendido como o precursor do populismo de esquerda. Longe de serem ultrapassados, alguns dos argumentos de Maquiavel ainda estão à frente do nosso próprio tempo e que uma abordagem verdadeira “maquiavélica” à política pode ajudar a fortalecer a democracia popular. 


GP

Não existe praticamente nenhuma universidade onde os trabalhos de Maquiavel, ou ao menos O Príncipe, não sejam ensinados. Contudo, a sua dedicação a ele é excepcional. Você publicou dois livros sobre Maquiavel e, até onde sei, um terceiro está a caminho. Por que Machiavel? E como você o descobriu pela primeira vez?

JM

De fato, encontrei O Príncipe na universidade, mas durante a graduação, em 1992, na Universidade de Chicago eu tive a boa sorte de participar de dois seminários totalmente devotados aos Discursos de Maquiavel. Aquelas aulas foram o gatilho da minha fascinação vitalícia que tenho com Maquiavel. Embora eu tenha começado minha carreira acadêmica trabalhando com a “teoria crítica” da Escola de Frankfurt, a orientação do meu trabalho acabou revertida para Maquiavel nos anos 2000.

GP

O que causou essa reorientação?  

JM

Eu acho que foi o aumento da desigualdade e do militarismo aventureiro durante o governo de George W. Bush  – e a administração de Dick Cheney nos Estados Unidos. Afinal de contas, Maquiavel me ensinou que os cidadãos das antigas repúblicas puniram as elites de uma forma muito mais severa pelos crimes de corrupção e traição do que nós o fazemos nas democracias liberais contemporâneas.

Qualquer um que lê Maquiavel seriamente vê que os cidadãos democráticos modernos deixam as elites saírem impunes pelo mesmo tipo de comportamento que ele acreditava que deveriam ser punidos rigorosamente.

GP

Você não é apenas um especialista em Maquiavel. Você também publicou muito trabalhos sobre os pensamentos na República de Weimar. Pode-se afirmar que você é atraído pelas crises políticas mais agudas.

JM

Certamente eu não planejei tomar esse rumo, mas o tema geral que atravessa minha carreira acadêmica se tornou “repúblicas democráticas em crise”. Ao longo das últimas duas décadas, tenho investigado a perene suscetibilidade das democracias à plutocracia e à corrupção oligárquica, corrupção que frequentemente resulta em golpes autoritários.

“Qualquer um que lê Maquiavel seriamente vê que os cidadãos democráticos modernos deixam as elites saírem impunes.”

Explorei o status excessivamente precário da liberdade civil e do governo popular em contextos históricos amplos como a Florença renascentista, a República de Weimar, os Estados Unidos contemporâneo e os Estados membros da União Europeia.

GP

Ainda hoje, muitas pessoas pensam que Maquiavel foi o professor de maldades. Acadêmicos — ou ao menos a maioria deles — tem tentado corrigir essa ideia errônea, focando, ao invés disso, em sua lealdade à tradição republicana de Roma e em seus Discursos sobre Tito Lívio. A sua leitura é diferente, contudo. Porque o seu Maquiavel não é apenas um pensador republicano: ele é um pensador popular, hostil às degenerações oligárquicas dos Estados.    

JM

Ainda que Maquiavel nunca tenha usado a palavra “democracia” e mesmo tendo expressado sérias (mas não desqualificadas) reservas sobre a democracia ateniense,  eu acho que Maquiavel é, na verdade, o primeiro “teórico democrático” na história do pensamento político ocidental. Maquiavel oblitera a clássica distinção entre aristocratas e oligarcas, acusando que as elites socioeconômicas são sempre agentes de opressão sobre as pessoas comuns. 

Além disso, Maquiavel enumera os escassos momentos no pensamento político tradicional em que os autores ressentidamente admitem que as pessoas comuns podem ocasionalmente exercer um bom julgamento político e ele constrói uma nova teoria democrática com base nisso.

Mesmo hoje, acadêmicos famosos se fixam nas poucas instâncias em que Maquiavel retrata o povo realizando escolhas ruins, ignorando completamente as escolhas muito mais calamitosas que ele demonstra que as elites (especialmente os senados aristocráticos) fizeram nas repúblicas de Esparta, Roma, Veneza e Cartagena.

GP

Curiosamente, na Itália, Maquiavel é frequentemente associado com lamentações acerca das glórias italianas do passado. No seu livro, você, ao contrário, demonstra claramente como pensamento dele oferece ideias revitalizantes para corrigir o impulso oligárquico das democracias ocidentais.

JM

Maquiavel era um esperançoso visionário sobre o futuro da Itália que verteu inspiração do vibrante passado Mediterrâneo. Ele não estava comprometido por uma nostalgia trágica. Ele se inspirou inteiramente na forma com os antigos toscanos, espartanos, siracusanos e aqueus tão valentemente e por tanto tempo se opuseram à dominação pelas hegemonias imperiais como Macedônia, Cartagena e Roma. Maquiavel acreditava firmemente que um retorno às antigas ordens militares permitiria que os italianos modernos revidassem hegemonias contemporâneas como França, Espanha e o império germânico. 

Afinal de contas, as hegemonias modernas, no que lhe dizia respeito, eram apenas tigres de papel comparados aos seus correlatos antigos. Se ao menos as cidades italianas armassem suas populações comuns — tanto civil quanto militarmente — elas poderiam sobrepujar a dominação estrangeira e a opressão doméstica dos clérigos e dos ottimati (aqueles que apoiavam o governo oligárquico).

“Maquiavel oblitera a clássica distinção entre aristocratas e oligarcas, acusando que as elites socioeconômicas são sempre agentes de opressão sobre as pessoas comuns.”

Talvez ele estivesse muito otimista em relação ao futuro. Maquiavel pode ter subestimado o quão as elites de sua época resistiram às reformas que ele defendia: a renovação dos tribunos plebeus, de enormes assembleias populares e de vastas milícias cidadãs que ele acreditava poderem garantir as liberdades dos povos e repúblicas antigas. 

GP

Você foi acusado de ser um populista ou um defensor do populismo. Qual a diferença entre um teórico político pró-popular e um populista — hoje e na época de Maquiavel?

JM

Eu sou realmente defensor do populismo — do populismo de esquerda. A diferente entre o populismo de esquerda e o de direita é simples. O populismo progressista é um movimento chauvinisticamente majoritário que desafia as vantagens injustas possuídas por uma poderosa e rica elite minoritária. O populismo de direita, pelo contrário, é um movimento chauvinisticamente majoritário que confronta os privilégios imaginários possuídos por imigrantes vulneráveis ou por minorias religiosas ou étnicas. Eu penso que os escritos de Maquiavel antecipam o populismo de esquerda porque ele encoraja os plebeus a desafiar as elites e demandar delas uma parcela ainda maior de poder político e econômico. 

Maquiavel demonstra convincentemente que os governos populares são o alvo constante de (embora ele não use esse termo) “vastas conspirações de direita” — em todos as épocas, em todos os lugares e em todos os momentos. A partir dessa perspectiva, a corrupção sistêmica gerada pela plutocracia é simplesmente uma ameaça existencial constante para qualquer política cívica que não seja uma oligarquia explícita. A única forma de parar ou retrair essa corrupção é com a mobilização das pessoas comuns e a utilização de qualquer poder que possuam — serviço militar ou força de trabalho, por exemplo — para extrair concessões de elites que preferem expandir em vez de abrir mão de sua autoridade desproporcional. 

É claro que as republicas antigas que Machiavel analisou nunca tiveram que lidar com o “populismo de direita”. As elites socioeconômicas dessas repúblicas poderiam invocar o patriotismo ou a anti-tirania para impedir demandas reformistas por parte do demos [povo] ou da plebe; isto é, elas poderiam priorizar a necessidade de guerra contra inimigos externos ou invocar os perigos de líderes populistas deterem imensos poderes reais enquanto mantinham os suplícios das classes mais baixas.

O Senado Romano era mestre em exercer ambas as estratégias, frequentemente desviando a atenção dos plebeus dos tumulti em casa para as guerras exteriores, saindo impune do assassinato de populares, de Marcus Manlius Capitolinus aos irmão Gracchi, na medida que os taxava de “aspirantes a tiranos”. Porém, tais oligarquias nunca conseguiram mobilizar completamente grandes segmentos das pessoas comuns em um movimento contínuo contra as reformas populares. Eventualmente, eles recorriam à repressão de violência para obter êxito, como é exemplificado pela tirania de Sulla.

“Os escritos de Maquiavel antecipam o populismo de esquerda porque ele encoraja os plebeus a desafiar as elites e demandar delas uma parcela ainda maior de poder político e econômico.”

Por outro lado, os contemporâneos populistas de direita tem uma arma poderosa para brandir contra tanto os partidos de centro-esquerda quanto os movimentos populares de esquerda: a acusação de deslealdade ou traição nacional. Porque os democratas modernos e os socialistas são motivados por princípios universalistas e internacionalistas, eles estão perpetuamente suscetíveis à acusação de que eles não são realmente dedicados ao bem-estar do “povo” dentro de seus próprios países. Eles são muito facilmente acusados de se importar, em última instância, com a “humanidade” (com pessoas do mundo todo) ou pelas minorias domésticas subalternas. Vem daí a eficácia dos populistas de direita em difamar políticos de centro-esquerda e populistas de esquerda como “globalistas” traidores ou como adeptos antimajoritários da “política de identidade”. 

GP

Qual seu pensamento perante o marxismo? É visível que sua abordagem de Maquiavel é diferente daquela dos pensadores políticos marxistas.

JM

Sou, confessadamente, muito duro a respeito do pós-marxismo europeu na introdução da Democracia Maquiavélica. Eu sou bem impaciente com o quanto autores como Louis Althusser, Claude Lefort, Étienne Balibar e autores italianos mais recentes que são influenciados por eles ignoram, minimizam ou subtraem o papel das instituições no pensamento político de Maquiavel. Eles reconstroem os escritos políticos de Maquiavel de uma forma que o povo meramente contesta o funcionamento das instituições, isto é, as maquinações de um “Estado” monoliticamente concebido.   

Mas a concepção de Maquiavel de governos populares é apenas isso: o povo participa no governo através do funcionamento das instituições tais como as tribunas romanas das plebes; assembléias nas quais as pessoas propõem e discutem, aprovam ou rejeitam leis; e julgamentos públicos no qual as pessoas servem como juízes finais de cidadãos acusados de crimes políticos. Os pós-marxistas estão com medo de que o povo suje suas mãos de formas moralmente dúbias ao “governar”; ou que o povo seja cooptado para os trabalhos do “Estado” ao participar de seu funcionamento. Entretanto, Maquiavel insiste que as reformas requeridas pelo povo através das manifestações devem ser fundamentadas em “leis”, cuja adjudicação o povo, não uma parcela privilegiada dele, continua a fiscalizar ou mesmo comandar.

Maquiavel não queria simplesmente que as pessoas, mediante demonstrações públicas, protestassem contra o poder de oligarquias manifestadas pelo “Estado” a partir de um lugar externo. Ele também queria que elas perpetuamente contestassem o poder da oligarquia no interior do funcionamento do Estado — isso é, por dentro. 

Apenas “sujando suas mãos” através da prática política exercida dentro e fora das instituições elas poderiam efetivamente combater as oligarquias e exercer o auto-governo. Aterrorizados pela Rússia stalinista e pela China comunista, os intérpretes pós-marxistas de Maquiavel acabam constantemente super-compensando ao reduzir a democracia ao anti-governo, isso é, ao anarquismo.

GP

E qual sua atitude diante de Karl Marx em geral? Que parte do pensamento dele é mais vital para nós, em seu ponto de vista?

JM

Eu reverencio tremendamente os escritos de Marx. Ler a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel na universidade mudou minha vida. Ainda que eu tenha abandonado isso como um ideal emancipatório, a articulação que Marx realiza da economia britânica, da política francesa e da filosofia alemã me inspirou por décadas. Todavia, a ausência de uma visão política construtiva em Marx se provou muito frustrante: Marx era um mestre crítico da política reacionária em trabalhos como A Guerra Civil na França e o 18 de Brumário de Luís Bonaparte, mas a falta de especificidade a respeito da política do socialismo foi um ponto fraco.

Passei inicialmente ao jovem Habermas, mais hegeliano, como uma alternativa, mas no fim das contas sua tentativa de preencher a lacuna política em Marx se provou muito liberal para o meu gosto — e daí o minha aproximação de Maquiavel. Mas existem importantes trabalhos sendo feitos hoje que recuperam os recursos políticos de Marx: Bruno Leipold sobre o republicanismo de Marx, Steven Klein sobre a genealogia marxista para a social democracia, Will Levine sobre os marxistas kantianos e o trabalho de Camila Vergara sobre a tradição da institucionalização radical rastreável até Rosa Luxemburgo. 

GP

Outro autor que você publicou extensamente a respeito é outro pensador anti-liberal, dessa vez do lado direito do espectro político: Carl Schmitt. O que podemos aprender com ele?

JM

Schimitt foi, certamente, um mestre da denúncia do universalismo da esquerda para promover uma política de direita supostamente mais autêntica e “democrática” na Republica de Weimar. Recentemente, passei a ver a carreira de Schmitt como emblemática no papel quase consistente jogado pela centro-direita nas usurpações tentadas ou bem sucedidas das democracias liberais. Schmitt era um quase apoiador da República de Weimar, mas menos de uma década ele se justificou e participou de sua derrubada.

“Políticos de centro direita sempre pensam que eles podem controlar a extrema direita, mas logo descobrem que eles estão segurando um tigre pela cauda.”

Muitas democracias modernas seguem precisamente essa trajetória: democracias são estabelecidas com um apoio fracamente entusiasmado dos partidos de centro direita, mas uma vez no poder esses partidos tendem a mover cada vez mais para a direita, escolhendo alianças com partidos de extrema direita para manter o poder extra-constitucionalmente, ao invés de fiar compromissos ao formar coalizões de governo com partidos de centro esquerda. Os políticos de centro direita sempre pensam que eles podem controlar a extrema direita, mas logo descobrem que eles estão segurando um tigre pela cauda. Isso foi verdade em Weimar e certamente é verdade nos Estados Unidos hoje. As democracias modernas são quase exclusivamente derrubadas pela direita, não pela esquerda.

GP

Existem duas maneiras que os estrangeiros julgam os políticos italianos, alguns comentadores apresentam a Itália como uma terra exótica e misteriosa, onde políticos seguem regras enigmáticas. Colunistas mais sábios e bem informados notaram que os políticos italianos tendem a antecipar tendências ocidentais — geralmente em seus piores aspectos. Benito Mussolini foi o João Batista de Adolf Hitler, assim como Silvio Berlusconi foi o de Donald Trump e Jair Bolsonaro. Qual sua opinião? E quanto você acompanha os políticos italianos?

JM

Eu corroboro firmemente com essa última linha de pensamento. Os políticos italianos são sempre a “fonte” da política ocidental. Quando morei na Itália na metade da década de 1990, os paralelos entre a ascensão de Berlusconi e o que acontecia com Newt Gingrich e Pat Buchanan eram cristalinos — mas poucos nos Estados Unidos queriam considerar estes políticos como protofascistas. Há um enorme vácuo no vocabulário político norte-americano quando se trata da palavra fascista: é permitido que no discurso público se chame Barack Obama de fascista, mas não Trump! Ainda assim, na Itália, durante esses anos, toda conversa durante o almoço e o jantar eram sobre onde localizar Berlusconi no continuum político fascista e quanto mais ele poderia ainda ir numa direção fascista.  

GP

De forma nítida, a paralisia política contemporânea tem muito a ver com a crise do movimento socialista. Os oligarcas desfrutam de uma situação muito favorável agora que a esquerda neoliberal sanciona os interesses deles não menos que a direita. Para os ricos, é um jogo de ganha-ganha: qualquer que seja o resultado das eleições, eles se beneficiarão de um governo muito amistoso. Como consertamos isso?

JM

Isso é precisamente o que eu tento explicar na política norte-americana para a minha mãe: quando os republicanos ganham, os ricos ficam mais ricos; quando os democratas vencem, os ricos permanecem ricos. Por causa do sistema bipartidário dos Estados Unidos, a redistribuição e a regulação econômica sempre foram objetivos políticos problemáticos — embora mesmo sob o governo de republicanos como Dwight Eisenhower e Richard Nixon, a América do Norte pós-Segunda Guerra Mundial era como uma panaceia social-democrata comparado a hoje.

As coisas são menos inteligíveis na Europa. Suponho que a existência de um partido comunista verossímil na Europa ociental durante a Guerra Fria tenha induzido os partidos de centro direita a fazer acordos com os de centro esquerda de maneiras que promoveram uma relativa igualdade econômica. Agora, os partidos conservadores são livres para se empenharem na obstrução total quando estão fora do poder. 

Claro, você está certo que os partidos social-democratas merecem a sua parcela de culpa. Através de políticas neoliberais, eles participaram do “esvaziamento” — para usar uma palavra de Peter Mair — das bases sociais de uma política progressista. 

GP

O que você pensa da experiência dos coletes-amarelos na França?

JM

Uma bem-vinda exceção à regra! Foi revigorante ver um movimento progressista e mais ou menos de base protestando contra o aumento da austeridade em uma grande democracia. E que grande alívio que tal movimento não adquiriu um formato patológico associado com o populismo de direita  —  espero que as acusações de antissemitismo sejam apenas calúnias lançadas contra eles pelos inimigos conservadores do movimento. Os coletes amarelos são a oposição articulada e espirituosa que políticos centristas como Emmanuel Macron merecem. Eles dizem “Chega!” para as políticas econômicas e financeiras que tiram o fardo de manter uma sociedade moderna saudável nos ombros dos mais prósperos para o das pessoas comuns. 

Estou cansado de centristas como Macron ou mesmo Angela Merkel, recebendo reverências e buquês de rosas por terem resgatado o Iluminismo, a civilização e a decência humana através da vitória eleitoral sobre a extrema direita xenofóbica e então manobrando para satisfazer as preferências políticas dos interesses financeiros que, direta ou indiretamente, apoiaram suas campanhas, ao invés de levar em conta os interesses dos cidadãos da classe trabalhadora e da classe média que votaram neles de fato. Eles se auto congratulam por destruírem o dragão da direita populista e então decretam políticas que continuam a alimentá-los. 

As políticas de austeridade de Merkel asseguraram que a extrema direita continue a ter eleitorado no sul europeu e as políticas neoliberais de Macron garantem que as tentações de Marine Le Pen sejam viáveis na França. Os coletes amarelos demonstraram que existe uma terceira via possível entre a austeridade neoliberal e o populismo de direita 

GP

Depois da Polônia, Hungria e Turquia, qual Estado europeu você acredita que esteja mais vulnerável ao populismo de direita?

JM

Não acho que a Alemanha seja a “próxima”, mas o Alternative für Deutschland (AfD) deve ser acompanhado com atenção e todo esforço, seja ele doméstico, europeu ou internacional, deve ser feito para manter o movimento minúsculo. Os custos para a Alemanha, para os membros da União Europeia, para a Europa como um todo e para a própria democracia seriam devastadores caso o movimento de extrema direita fique mais forte precisamente na Alemanha.

GP

Qualquer leitor de Maquiavel viu em Barack Obama uma espécie de Piero Soderini moderno — o magistrado de Florença com quem Machiavel trabalhou durante anos. Soderini foi derrotado porque, ao contrário dos conselhos de Maquiavel, ele sempre temeu o conflito com as elites e tentou realizar acordos mesmo quando estava claro que seus adversários não estavam dispostos — até que finalmente eles o despejaram do poder através de um golpe. Joe Biden parece mais disposto a impulsionar um ambicioso programa de reformas e menos tímido que Obama quando se trata de confrontar adversários. Você concorda com essa interpretação?

JM

O que você diz sobre Obama é tão deprimente quanto encantador.  Quando leciono meu curso sobre liderança política, sempre dedico uma aula para o tópico “Barack Obama: tirano ou súplice?” e indico a leitura das passagens de Maquiavel sobre Soderini. Sem dúvidas, acredito que Obama foi extremamente cauteloso ao lidar com os republicanos. Biden esteve ao lado de Obama para testemunhar todo o arrastar de pés e a intransigência praticada pelos republicanos ao longo de oito anos. Biden já mostrou que estenderá as mãos aos republicanos para a formulação de algumas políticas, mas espero que ele não implore pela cooperação deles ou espere para sempre que eles retribuam o gesto.

GP

Como Biden pode resolver o problema de uma Suprema Corte nas mãos de uma extrema esquerda?

JM

Infelizmente, Biden não tem maioria suficiente na Câmara e no Senado para promulgar as reformas necessárias para corrigir os excessos da extrema direita da Suprema Corte. No final das contas, um presidente democrata com amplo apoio do congresso irá expandir o tamanho da corte e indicar outra meia-dúzia de juízes. Dadas as tendências minoritárias do federalismo, do Colégio Eleitoral e do Senado, os juízes conservadores na corte estão totalmente fora de sintonia com as preferências políticas da maioria dos cidadãos norte-americanos.

Como alternativa, se os democratas um dia puderem abolir os obstrucionistas no Senado, o Congresso poderia aprovar uma lei que tirasse a autoridade de supremacia judicial da corte. A Suprema Corte só adquiriu o poder de decidir a constitucionalidade das leis e das ordens por causa de precedentes judiciais. Tal supremacia constitucional não existe na constituição dos Estados Unidos. 

GP

Como um estudioso da Alemanha de Weimar, você enxerga algum paralelo com o colapso da República de Weimar e os Estados Unidos hoje?

JM

Muitas pessoas compararam a insurreição do Capitólio, em 6 de janeiro, com o incêndio Reichstag, fato que os nazistas aproveitaram para consolidar seus poderes. Eu conecto o evento ao assassinato dos ministros de Weimar, Walther Rathenau e Matthias Erzberger, por milicianos da extrema direita no começo dos anos 1920. Esses assassinatos levaram um parlamentar furioso a exclamar no Reichstag: “Não há dúvidas de que o inimigo está à direita!”. 

A insurreição do Capitólio, como esses assassinatos, deveria compelir todos os cidadãos que defendem a democracia constitucional a repudiar e a reprimir o extremismo de direita. Não deram ouvidos aos alertas em Weimar e eu tenho dúvidas se os darão nos Estados Unidos. Nesse sentido, o comportamento covarde da grande maioria dos políticos republicanos durante e após o segundo julgamento de impeachment de Trump não indicou um bom sinal.

Sobre os autores

é professor de ciência política na Universidade de Chicago. Seus trabalhos incluem Reading Machiavelli (2018), Machiavellian Democracy (2011), Weber, Habermas and the Transformations of the European State (2006), e Carl Schmitt’s Critique of Liberalism (1997).

é professor de literatura italiana na Universidade de Roma Tre. Seus trabalhos incluem Machiavelli in Tumult (2018) e In Broad Daylight: Movies and Spectators After the Cinema (2012).

Cierre

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Published in Entrevista, Europa, Livros and Política

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